Disfagia orofaríngea na fase aguda pós-acidente vascular cerebral – fatores de risco são relevantes?

Autores

DOI:

https://doi.org/10.34631/sporl.3082

Palavras-chave:

Acidente vascular cerebral, disfagia orofaríngea, videoendoscopia da deglutição 

Resumo

Introdução: O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade nos países desenvolvidos. A disfagia orofaríngea (DOF) é a segunda complicação mais frequente na fase aguda pós-AVC e é um preditor independente de evolução desfavorável e institucionalização, estando associada a internamentos hospitalares mais prolongados, com um impacto económico significativo. Existe uma associação documentada entre a presença de determinadas características sociodemográficas e clínicas e a incidência de DOF pós-AVC, designadamente: idade avançada, presença de défice cognitivo, maior grau de dependência, National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) à admissão superior a quatro e envolvimento do tronco cerebral.

Objetivos: Neste estudo pretendeu-se caracterizar do ponto de vista sociodemográfico e clínico os doentes em fase aguda de AVC num hospital terciário submetidos a avaliação instrumental da deglutição com videoendoscopia (VED) por suspeita de disfagia e correlacionar os resultados obtidos na VED sugestivos de DOF com cada uma das variáveis.

Métodos: Foi realizada uma análise retrospetiva de 68 doentes submetidos a VED na fase aguda pós-AVC no Hospital Pedro Hispano de 2018 a 2023, com descrição do seu perfil sociodemográfico, características do evento e achados da VED.

Resultados: Quanto ao perfil sociodemográfico: 73,53% tinham pelo menos 70 anos, 60,29% eram do sexo masculino, 36,76% apresentavam algum grau de dependência e 13,24% tinham antecedentes de demência. Quanto às características do evento: 83,83% dos AVCs eram de etiologia isquémica, 80,88% cursavam com envolvimento dos hemisférios cerebrais, 16,18% do tronco cerebral e 7,35% do cerebelo, e 85,29% tinham um NIHSS à admissão superior a quatro. Relativamente aos achados da VED: 42,65% dos doentes apresentavam estase salivar significativa, 60,29% tinham atraso no reflexo orofaríngeo da deglutição, 48,53% apresentavam resíduo após a deglutição, em 10% casos constatou-se paralisia das cordas vocais e 57,59% tiveram penetração ou aspiração, das quais 12% foram aspirações silenciosas. Após análise comparativa de todas as variáveis ​​sociodemográficas e clínicas com a presença de DOF, obteve-se uma relação estatisticamente significativa apenas para a presença de NIHSS à admissão superior a quatro (p=0,015).

Discussão: Embora a presença de alguns destes fatores de risco possa sinalizar um risco acrescido de DOF em doentes na fase aguda pós-AVC, a sua pesquisa não substitui uma avaliação instrumental da deglutição. Por outro lado, a VED permite identificar estase salivar ou atraso no reflexo orofaríngeo da deglutição e detetar aspirações silenciosas. A pneumonia de aspiração é a complicação mais frequente da DOF na fase aguda pós-AVC e é a principal causa de internamento hospitalar e de morte, sendo a presença de aspirações silenciosas o principal fator de risco.

Conclusão: Embora a avaliação clínica da deglutição desempenhe um papel importante na avaliação da competência orofaríngea, carece de sensibilidade no rastreio da DOF nos doentes na fase aguda pós-AVC. Nestas situações, a VED é uma ferramenta mais fidedigna para avaliar a proteção da via aérea, cabendo aos otorrinolaringologistas um papel fundamental na avaliação destes doentes.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

INE. Portal do Instituto Nacional de Estatística [Internet]. Portugal, Lisboa: Instituto Nacional de Estatística; 2024 [cited 2024 July 21]. Available from: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=646027025&DESTAQUESmodo=2

Martino R, Foley N, Bhogal S, Diamant N, Speechley M, Teasell R. Dysphagia after stroke: incidence, diagnosis, and pulmonary complications. Stroke. 2005 Dec;36(12):2756-63. doi: 10.1161/01.STR.0000190056.76543.eb.

Clavé P, Shaker R. Dysphagia: current reality and scope of the problem. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2015 May;12(5):259-70. doi: 10.1038/nrgastro.2015.49.

Terré R. Oropharyngeal dysphagia in stroke: diagnostic and therapeutic aspects. Rev Neurol. 2020 Jun 16;70(12):444-452. doi: 10.33588/rn.7012.2019447.

Daniels SK, Huckabee ML, Gozdzikowska K. Dysphagia Following Stroke, 3rd ed. San Diego, CA: Plural Publishing; 2019.

Terré R, Mearin F. Oropharyngeal dysphagia after the acute phase of stroke: predictors of aspiration. Neurogastroenterol Motil. 2006 Mar;18(3):200-5. doi: 10.1111/j.1365-2982.2005.00729.x.

Jones CA, Colletti CM, Ding MC. Post-stroke dysphagia: recent insights and unanswered questions. Curr Neurol Neurosci Rep. 2020 Nov 2;20(12):61. doi: 10.1007/s11910-020-01081-z.

Leite KKA, Sassi FC, Medeiros GC, Comerlatti LR, Andrade CRF. Clinical swallowing prognostic indicators in patients with acute ischemic stroke. Arq Neuropsiquiatr. 2019 Jul 29;77(7):501-508. doi: 10.1590/0004-282X20190080.

Fernández-Pombo A, Seijo-Raposo IM, López-Osorio N, Cantón-Blanco A, González-Rodríguez M, Arias-Rivas S. et al. Lesion location and other predictive factors of dysphagia and its complications in acute stroke. Clin Nutr ESPEN. 2019 Oct:33:178-182. doi: 10.1016/j.clnesp.2019.05.019.

Ortega Barrio MÁ, Valiñas Sieiro F, Almarza Fernández MT, Bravo Santamaria S. Moreno Maestro R. Effect of stroke on nutritional status and its relationship with dysphagia. Rev Científica Soc Enfermería Neurol (English Ed). 2020 Jan-Jun; 51:13–21. doi: 10.1016/j.sedeng.2019.04.003.

Beharry A, Michel P, Faouzi M, Kuntzer T, Schweizer V, Diserens K. Predictive factors of swallowing disorders and bronchopneumonia in acute ischemic stroke. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2019 Aug;28(8):2148-2154. doi: 10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2019.04.025

Fandler S, Gattringer T, Eppinger S, Doppelhofer K, Pinter D, Niederkorn K. et al. Frequency and predictors of dysphagia in patients with recent small subcortical infarcts. Stroke. 2017 Jan;48(1):213-215. doi: 10.1161/STROKEAHA.116.015625.

Suntrup S, Kemmling A, Warnecke T, Hamacher C, Oelenberg S, Niederstadt T. et al. The impact of lesion location on dysphagia incidence, pattern and complications in acute stroke. Part 1: dysphagia incidence, severity and aspiration. Eur J Neurol. 2015 May;22(5):832-8. doi: 10.1111/ene.12670.

Paciaroni M, Mazzotta G, Corea F, Caso V, Venti M, Milia P. et al. Dysphagia following stroke. Eur Neurol. 2004;51(3):162-7. doi: 10.1159/000077663.

Falsetti P, Acciai C, Palilla R, Bosi M, Carpinteri F, Zingarelli A. et al. Oropharyngeal dysphagia after stroke: incidence, diagnosis, and clinical predictors in patients admitted to a neuro-rehabilitation unit. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2009 Sep-Oct;18(5):329-35. doi: 10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2009.01.009.

IDDSI - International Dysphagia Diet Standardisation Initiative.[Internet] [Accessed 2024 Sept 25] Available from: https://iddsi.org

Serra-Prat M, Palomera M, Gomez C, Sar-Shalom D, Saiz A, Montoya JG. et al. Oropharyngeal dysphagia as a risk factor for malnutrition and lower respiratory tract infection in independently living older persons: a population-based prospective study. Age Ageing. 2012 May;41(3):376-81. doi: 10.1093/ageing/afs006.

Hoffmann S, Malzahn U, Harms H, Koennecke HC, Berger K, Kalic M. et al. Development of a clinical score (A2DS2) to predict pneumonia in acute ischemic stroke. Stroke. 2012 Oct;43(10):2617-23. doi: 10.1161/STROKEAHA.112.653055.

Westendorp WF, Nederkoorn PJ, Vermeij JD, Dijkgraaf MG, van de Beek D. Post-stroke infection: a systematic review and meta-analysis. BMC Neurol. 2011 Sep 20:11:110. doi: 10.1186/1471-2377-11-110.

Dziewas R, Allescher HD, Aroyo I, Bartolome G, Beilenhoff U, Bohlender J, et al. Diagnosis and treatment of neurogenic dysphagia. Neurol Res Pract. 2021 May 4;3(1):23. doi: 10.1186/s42466-021-00122-3.

Cohen DL, Roffe C, Beavan J, Blackett B, Fairfield CA, Hamdy S. et al. Post-stroke dysphagia: a review and design considerations for future trials. Int J Stroke. 2016 Jun;11(4):399-411. doi: 10.1177/1747493016639057.

Mann G, Hankey GJ, Cameron D. Swallowing function after stroke: prognosis and prognostic factors at 6 months. Stroke. 1999 Apr;30(4):744-8. doi: 10.1161/01.str.30.4.744.

Ortega O, Martín A, Clavé P. Diagnosis and management of oropharyngeal dysphagia among older persons, state of the art. J Am Med Dir Assoc. 2017 Jul 1;18(7):576-582. doi: 10.1016/j.jamda.2017.02.015.

Publicado

13-09-2025

Como Citar

Rodrigues, A. R., Barreto, J., Duarte, D., & Oliveira, N. (2025). Disfagia orofaríngea na fase aguda pós-acidente vascular cerebral – fatores de risco são relevantes?. Revista Portuguesa De Otorrinolaringologia-Cirurgia De Cabeça E Pescoço, 63(3), 257–262. https://doi.org/10.34631/sporl.3082

Edição

Secção

Artigo Original